Acompanhada de médico, filha canta para o pai em visita de despedida no HMDCC

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O médico intensivista Bruno Resende acompanha, no violão e voz, filha de paciente em visita de despedida (Imagem: Márcia Viegas)

O diagnóstico positivo para COVID-19 é acompanhado de uma série de restrições que aumentam o sofrimento de pacientes e familiares. A principal delas é a restrição de contato. A pandemia isolou famílias de seus entes queridos em situações de dor, medo e angústia. O tratamento é solitário. A recuperação é solitária. Na internação hospitalar não são permitidas visitas.

Soluções foram pensadas para viabilizar o contato entre pacientes e família. A tecnologia ajudou e muitos hospitais adotaram as visitas virtuais. Mesmo assim, alguns momentos são insubstituíveis: como o direito de dizer adeus. Por essa razão, desde julho, o Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (HMDCC) implementou a visita de despedida.

A tristeza pela morte de mais de 140 mil brasileiros e brasileiras é um sentimento presente, mas quando a humanização da assistência é um valor ainda é possível aliviar a dor e oferecer conforto. Quem sabe vivenciar momentos de poesia e de amor?

Música no CTI
A esteticista Inna Libonês, 33 anos, se despediu do pai com música. Acompanhada do médico intensivista do HMDCC, Bruno Resende, cantou ‘Sonda-me’ e emocionou a todos. “Quando a equipe médica do hospital fez contato comigo falando da gravidade da situação, tive a oportunidade de fazer a visita de despedida. Precisei me paramentar para dizer adeus”, recorda-se.

O médico Bruno Resende conta que foi a primeira vez que vivenciou essa experiência. “Eu me senti reconfortado em poder levar algum alento para a família e para o paciente. Esse tipo de apoio emocional deve estar presente o tempo todo no cuidado médico, mas quando o que deve ser feito são apenas as medidas de conforto e carinho e a morte se aproxima, me sinto na obrigação de me esforçar mais ainda em tornar o momento menos doloroso. Poder dar essa contribuição reforça para mim que não haviam apenas derrotas ali, mas uma despedida de uma vida de vitórias”, relata.

Pelo tempo de internação, o pai de Inna, Gerson Libonez, de 63 anos, pôde sair da área de isolamento respiratório já que não transmitia mais a doença. Foi nesse período que a filha cantou para ele. O Sr. Gerson recebeu ainda outros dez familiares, que puderam também se despedir.

Vivência do luto
Psicóloga do HMDCC, Márcia Viegas explica a importância da visita de despedida para elaboração do luto. “Lidar com a morte e viver o luto como um processo natural requer luta. Nunca foi fácil, mas nesse contexto de distanciamento social tem sido ainda mais doloroso”, avalia.

A psicóloga avalia que, no atual contexto, os profissionais da saúde precisaram se reinventar. “Na árdua batalha técnica contra a doença não podemos nos esquecer dos laços interrompidos pela internação por COVID-19. Por isso, temos buscado alternativas para manter a assistência humanizada e dignificar o processo de vida e morte. Embora as medidas restritivas sejam necessárias, pesquisadores já apontam os impactos na vivência do luto, descrevendo prejuízos e sintomas”, afirma.

Por essa razão, a visita de despedida é, segundo a psicóloga, a oportunidade da presença física à beira do leito. “Entendemos que, ao viabilizar a presença do familiar, favorecemos a minimização do sofrimento, o fortalecimento do vínculo efetivo e afetivo com a equipe assistencial e, sobretudo, contribuímos na redução de danos à saúde mental. Ver o ente querido em seus momentos finais possibilita ao familiar uma melhor compreensão, além da concretude da perda que está por vir. Isso reduz riscos de um luto complicado, que já é uma das preocupações pós-pandemia”, avalia.

O adeus
No HMDCC, foi criado um fluxo para a visita de despedida com critérios de elegibilidade em que os pacientes em terminalidade são priorizados. A equipe multiprofissional acolhe o familiar, esclarece a gravidade do caso e o planejamento terapêutico diante do provável desfecho.

Na sequência, as visitas são liberadas aos familiares mais próximos com a condição de não se enquadrar no grupo de risco. “Compartilhamos a responsabilidade através do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, disponibilizamos todos os equipamentos de proteção individual necessários à segurança, a equipe acompanha o processo de paramentação e desparamentação, além de oferecer apoio e suporte emocional durante e após a visita”, explica Márcia Viegas.

Para Inna Libonês, que vivenciou a experiência da visita de despedida, trata-se de um momento valioso. Veja depoimento no vídeo: