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“Não vão faltar palavras na minha boca. Tenho reposta para tudo”. A frase é de Isaac Lopes dos Santos, 33 anos, paciente internado no Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (HMDCC) com diagnóstico de catatonia. Desde junho de 2018, com a inauguração dos 10 leitos de saúde mental, que o Hospital tem recebido usuários do SUS com sofrimento mental ou com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Trata-se de uma iniciativa inédita na Rede SUS-BH de oferecer leitos de saúde mental em Hospital Geral.
Médica psiquiatra do Hospital Célio de Castro, Christiane Ribeiro ressalta a importância dessa iniciativa: “existe uma dificuldade dos serviços de urgência em admitir pacientes psiquiátricos”. Isso porque a percepção sobre esses pacientes ainda é estigmatizada. Para exemplificar, ela cita a história de uma paciente, usuária do CERSAM Noroeste, que pediu para ter a identidade preservada. Ela foi admitida no Hospital com dor abdominal e afirmando estar grávida. Na unidade de saúde, passou por exames de imagem que detectaram uma pedra na vesícula.
Segundo Christiane Ribeiro, ao explicar a dor que a paciente sentia, o diagnóstico contribuiu para que ela saísse do delírio da gestação, que não existia. Ela então pôde voltar para casa e aguardar pela cirurgia que foi agendada para 29 de novembro, já que não se tratava de uma urgência clínica. “Os leitos hospitalares de saúde mental possibilitam a investigação de outras hipóteses diagnósticas para além do diagnóstico psiquiátrico”, explica a médica.
Além disso, segundo ela, garantem a integralidade da assistência em saúde por possibilitarem a continuidade do cuidado oferecido nos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs). Caso de Isaac, usuário do CERSAM Leste. Com diagnóstico de esquizofrenia, é a segunda vez que ele é internado no Hospital Célio de Castro em razão da catatonia.
Christiane Ribeiro explica que a catatonia é uma síndrome caracterizada por alteração grave da função psicomotora e responsividade do paciente. Ou seja, nessa situação clínica, o paciente não fala, não anda, não se alimenta e fica muito negativo. “A agitação e a presença de imitação de movimentos e falas de outras pessoas também podem aparecer”, esclarece.
Nesses casos, há a necessidade de internação em hospitais porque, como o paciente não se movimenta, aumentam as chances de tromboembolismo e lesões musculares pelo fato de se manter sempre na mesma posição. Morador do Taquaril, região Leste de BH, Isaac está agora na expectativa da alta hospitalar. “O atendimento é ótimo. A comida é boa, chega na hora certa. Os medicamentos também. Todo mundo me trata bem”, relata. Zelita Borges dos Santos, 72 anos, concorda com o filho. “O importante na vida é isso: ser tratado bem, com dignidade, em qualquer lugar que se vá”.
Resultados
Para se ter uma ideia do impacto da presença da psiquiatria no Hospital Célio de Castro, em seis meses (maio a outubro) da incorporação da especialidade na equipe assistencial, 385 pacientes receberam atendimento especializado como resultado do pedido de consultas da equipe multiprofissional. “Eu percebo cada vez mais condutas adequadas e um olhar diferenciado, não no sentido do estigma, mas no sentido da equidade, da equipe assistencial para o paciente psiquiátrico”, avalia a Christiane Ribeiro.
Em julho, o Hospital Célio de Castro realizou um Seminário para capacitar a equipe assistencial no cuidado aos pacientes com sofrimento mental ou com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Com longa trajetória dedicada à saúde mental, o médico psiquiatra Políbio de Campos, coordenador da residência de psiquiatria e da residência multiprofissional em saúde mental do Hospital Metropolitano Odilon Behrens, foi quem ministrou o Seminário.
Relação com CERSAMs
David José Vieira é médico psiquiatra do CERSAM Leste e do Serviço de Urgência Psiquiátrica (SUP) da capital mineira e diz que a presença de leitos de saúde mental no Hospital Célio de Castro é uma iniciativa ousada e um ganho enorme para a cidade. “Eu desconheço, no Brasil, outro Hospital que ofereça esse tipo de assistência ao paciente com sofrimento mental”, diz.
Segundo ele, pela formação deficitária das equipes de saúde de urgência e por medo de não saber conduzir o caso de um paciente psiquiátrico, existe muita resistência em admitir esses pacientes nos hospitais. “Geralmente, exige-se a presença de um técnico de enfermagem do CERSAM. Por isso, a experiência no Hospital Célio de Castro é uma vitrine que nos mostra não apenas que é possível como o que significa de ganho para o paciente”, acredita.
Há dois anos, David acompanha o caso de Isaac. Segundo o psiquiatra, o fluxo entre os CERSAMs e o Hospital tem funcionado com tranquilidade e rapidez. Ele e Christiane conversam diariamente para avaliar as necessidades do paciente e as condutas que serão adotadas. O psiquiatra do CERSAM ressalta a importância do diagnóstico diferencial nos casos de pacientes com sofrimento mental. “É fundamental descartar a causa psiquiátrica. E só conseguimos essa resposta com a investigação criteriosa das causas clínicas. A catatonia de Isaac é uma condição do corpo dele?”, essa era a pergunta, aponta David.
Hoje, com a investigação feita pela equipe do Hospital Célio de Castro, já se sabe que a causa da catatonia de Isaac é psiquiátrica. Mesmo assim, ele precisa ter garantido o cuidado clínico para se manter vivo. “Como, nesse quadro, o paciente não se alimenta, não se move, é necessário, por exemplo, a ingestão de água por soro, da alimentação via sonda e do suporte médico”, resume.
Christiane Ribeiro também avalia positivamente a relação do Hospital Célio de Castro com os CERSAMs. “Firmamos uma parceria no sentido de oferecer a melhor assistência ao paciente. Para nós, tem sido muito importante discutir os casos com as referências dos pacientes nos CERSAMs, que muitas vezes têm um contato maior com a família e já acompanham os casos por anos”, afirma.
Acesso
O acesso dos pacientes aos leitos de saúde mental do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro é regulado pela Coordenação Municipal de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de BH, dentro da lógica de referência e contrarreferência. Ou seja, através da troca de informações entre os diferentes níveis de assistência (CERSAM, Hospital e Centro de Saúde) permite-se a criação de um ambiente favorável à abordagem do paciente em sua integralidade.